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ENTREVISTA / Prof. Dr. Mário César Ferreir

Por Marcela Correia em setembro de 2012

Reproduzido da Primeira Região em Revista

 

A primeira grande pesquisa sobre Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) está em fase de divulgação dos resultados no âmbito da Justiça Federal da 1.ª Região. Com a finalidade de revelar as necessidades e expectativas de todo o corpo funcional e apontar diretrizes de uma nova política de QVT, o diagnóstico expôs situações as mais diversas, que vão da plena satisfação no ambiente de trabalho a queixas quanto a cobranças excessivas e relacionamentos conflituosos. Em entrevista para a Primeira Região em Revista, o consultor e professor Mário César Ferreira, responsável pela realização e avaliação do diagnóstico, comenta os resultados e assinala caminhos a serem seguidos na busca por um ambiente laboral mais agradável e feliz. Na avaliação do psicólogo com pósdoutorado em Ergonomia Aplicada à QVT, os pontos que merecem mais atenção, no âmbito do Tribunal, são a “organização do trabalho” e o “reconhecimento/crescimento profissional”: os dois foram apontados como grandes vilões da qualidade de vida no trabalho. O consultor faz críticas ao chamado “ofurô corporativo”, que ainda é prática quase hegemônica nas organizações públicas brasileiras. Afirma estar na contramão dos anseios dos trabalhadores essa sistemática que consiste, apenas, na promoção de programas de bem-estar, como massagens antiestresse, exercícios de relaxamento e acompanhamento nutricional. Para Mário César, é imprescindível conhecer o “olhar dos participantes”, para identificar os verdadeiros gargalos e apresentar soluções práticas. Chegou o tempo de as instituições repensarem a gestão organizacional e do trabalho, declara o professor, para que suas ações voltadas à qualidade de vida atentem, também, à missão das instituições públicas de promover a cidadania. “O setor público não vende ‘sabonetes’, portanto não tem sentido importar [...] modelos de gestão típicos do setor privado e que servem de suporte para produção de lucro, rentabilidade e competitividade”, assinala Mário César Ferreira. A aplicação do Diagnóstico de Qualidade de Vida no Trabalho ocorreu entre os dias 8 de janeiro e 29 de fevereiro, no âmbito do TRF e das seções judiciárias da 1.ª Região. No total, 5.164 pessoas responderam aos questionários, entre magistrados, servidores, terceirizados e estagiários. O número representa quase 40% dos 13.129 indivíduos que atuam nessa área de jurisdição.

 

 

 

O senhor coordenou pesquisa de Qualidade de Vida ” no Trabalho (QVT) realizada no âmbito do TRF e seções judiciárias da Primeira Região. Como define Qualidade de Vida no Trabalho?

Na nossa abordagem, a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é definida por duas dimensões interdependentes. De um lado, a QVT é conceituada como um preceito de gestão organizacional que se expressa por meio de normas, diretrizes e práticas que visam à promoção do bem-estar individual e coletivo, o desenvolvimento pessoal dos trabalhadores e o exercício da cidadania organizacional e, de outro, por meio das representações que os trabalhadores constroem da organização na qual estão inseridos, indicando o predomínio de vivências de bem-estar no trabalho, de reconhecimento institucional e coletivo, de possibilidade de crescimento profissional e de respeito às características individuais. De modo simples, a QVT é vivenciar a felicidade nos ambientes de trabalho ou como relatou um de nossos participantes em outra pesquisa: “QVT é chegar feliz e sair feliz do trabalho”. 

Que fatores foram avaliados na pesquisa? Em linhas gerais, em que consiste cada um deles?

No nosso diagnóstico de Qualidade de Vida no Trabalho  na JF1R foi possível conhecer com rigor científico como os participantes (magistrados, servidores, prestadores de serviço e estagiários) percebem os principais fatores que podem tanto comprometer quanto promover a QVT. Vejamos quais são eles: as condições de trabalho em termos de conforto ambiental (local, espaço, iluminação, temperatura), materiais (insumos), instrumentais (equipamentos, mobiliário, posto), suporte (apoio técnico); a organização do trabalho que engloba aspectos relacionados com as variáveis de tempo (prazo, pausa), controle (fiscalização, pressão, cobrança), traços das tarefas (ritmo, repetição), sobrecarga e prescrição (normas); as relações socioprofissionais no que tange as relações com os pares (ajuda, harmonia, confiança), com as chefias (liberdade, diálogo, acesso, interesse, cooperação, atribuição e conclusão de tarefas), comunicação (liberdade de expressão) ambiente harmonioso e conflitos; o reconhecimento e crescimento profissional que concerne às formas de reconhecimento no trabalho (existencial, institucional, realização profissional, dedicação, resultado alcançado) e ao crescimento profissional (oportunidade, incentivos, equidade, criatividade, desenvolvimento); e, finalmente, o elo trabalho-vida social que trata das percepções sobre a instituição, o trabalho (prazer, bem-estar, zelo, tempo passado no trabalho, sentimento de utilidade, reconhecimento social) e as analogias com a vida social (casa, família, amigos). No conjunto, tais fatores permitiram produzir uma “fotografia” global de como os respondentes percebem a QVT na JF1R. 

Qual é o principal diferencial do instrumento elaborado pelo senhor? 

O nosso Inventário de Avaliação de Qualidade de Vida no Trabalho (IA_QVT) é um instrumento científico validado por diversas pesquisas. Ele apresenta algumas funcionalidades que no conjunto constituem o seu principal diferencial. Nesse sentido, cabe destacar que o IA_QVT permite: realizar um diagnóstico rápido, com rigor científico, de como os trabalhadores avaliam a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) na organização na qual trabalham; mapear indicadores (comportamentais, epidemiológicos e perceptivos) de QVT que auxiliam na gestão do Programa de Qualidade de Vida no Trabalho (PQVT); gerar subsídios fundamentais para a concepção de uma política de QVT e um Programa de Qualidade de Vida no Trabalho (PQVT) com base nas expectativas e necessidades apontadas pelos respondentes; e monitorar, longitudinalmente, a evolução da QVT na organização. Ele é, portanto, uma ferramenta estratégica para a promoção da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) e, sobretudo, para a gestão de projetos e ações na área.

 

Quais foram os principais resultados obtidos no diagnóstico de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) realizado na JF1R?

Na parte objetiva do IA_QVT ficou claro que os fatores mais problemáticos, aqueles que “roubam” a Qualidade de Vida no Trabalho no tribunal, estão relacionados com a organização do trabalho (ex. fiscalização de desempenho e cobrança de tarefas excessivas) e o reconhecimento/crescimento profissional (ex. as oportunidades de crescimento profissional são iguais). Na parte aberta dos resultados do IA_QVT merecem destaque: o conceito de QVT para os respondentes, que está ancorado em aspectos relacionados com o “gostar do que faz e ser reconhecido”; “organização humanizada (saudável) do trabalho”; e “relações harmoniosas e condições de trabalho adequadas”. Outro conjunto de resultados bastante interessantes diz respeito às principais fontes de bem-estar e de mal-estar no trabalho, apontadas pelos participantes do diagnóstico de Qualidade de Vida no Trabalho. Quanto às fontes de bem-estar no trabalho na JF1R, foram constatados os seguintes aspectos: fazer o que gosta (trabalhar com o que gosta, sentir-se feliz no local de trabalho); aprender e aplicar conhecimentos (aprendizado contínuo e possibilidade de aplicar conhecimentos no trabalho); ajudar na promoção da justiça (contribuir para a solução de conflitos e pacificação das relações sociais; colaborar na prestação jurisdicional; possibilidade de ajudar outras pessoas); dispor de ambiente social harmonioso e confortável (ambiente de trabalho saudável, seguro, estável e agradável; clima harmonioso); ter convivência agradável com os colegas (convívio equilibrado, descontraído e amistoso com os colegas); realizar as tarefas prescritas (sensação de dever cumprido;  estar em dia com as tarefas, metas e prazos; prazer em desempenhar as atividades). Por sua vez, as principais fontes de mal-estar no trabalho revelam o “reverso da medalha”. Nesse caso, os participantes apontaram: falta de reconhecimento e crescimento profissional (falta de oportunidades de crescimento; ausência de reconhecimento; critérios subjetivos para distribuição de funções comissionadas); sobrecarga, cobrança e pressão (quantidade de processos desproporcional à quantidade de servidores; cobrança de prazos inexequíveis; cobrança de metas sem oferecer condições para alcançá-las; burocracia; sensação de estar “enxugando gelo”); condições precárias de trabalho (mobiliário inadequado; falta de limpeza no ar condicionado; insatisfação com iluminação, ventilação, temperatura, material de consumo e sistema informatizado); relacionamento conflituoso e forma de tratamento  (ser tratado com estupidez; arrogância e prepotência; conviver com colegas que querem “puxar o tapete”; fofocas; tratamento privilegiado dos magistrados em relação aos servidores; conflitos entre colegas).

 

 

Dos resultados obtidos na Justiça Federal da Primeira Região, algo chamou a atenção do senhor?

Há diversos depoimentos dos participantes que dão visibilidade às inúmeras dificuldades que eles estão vivenciando para que a JF1R cumpra a contento com a sua missão jurisdicional. Conhecer o ponto de vista dos participantes (magistrados, servidores, prestadores de serviço e estagiários) sempre nos permite conhecer os “fios que tecem” as vivências que o trabalho assume e de que forma elas afastam o trabalho do seu caráter de produtor de felicidade. A título de ilustração, cabe destacar algumas falas emblemáticas dos pesquisados: “Bom, às vezes, somos tratados com muita estupidez pelas pessoas que vêm, através da Justiça Federal, buscar seus direitos. Acho um descaso, pois não temos culpa se o magistrado julga improcedente o pedido do cidadão.”; “Me incomoda o verdadeiro apartheid entre juízes e servidores. Isto é algo que sinto desde as questões menos relevantes, como a precedência do nome dos juízes na lista de aniversários da justiça federal, enquanto os demais são colocados em ordem alfabética.”; “Lembrar que tenho que vir trabalhar e saber que tudo o que é feito não está bom. Sempre querem mais e mais dos servidores, sem fim, até que todos fiquem doentes, estressados e depressivos.”; “Falta de reconhecimento por parte da união e sociedade do valor dos servidores, falta de comunicação, privilégios de poucas pessoas em detrimento das demais.”; “Saber que apesar de todo meu esforço e de todos os meus colegas de trabalho, não conseguimos dar a celeridade necessária nos processos, uma vez que o número de processos é bastante excessivo considerado o número de servidores e juízes e que com isso quem é prejudicado são, em grande parte, as pessoas mais humildes e de baixa renda, jurisdicionados da JF.”; “O excesso de trabalho. A demanda judicial tem aumentado muito a cada ano e o número de servidores tem reduzido. Alguns são requisitados e não são substituídos, causando sobrecarga de atividades, desgaste físico e mental e sentimento de frustração.”; “A massacrante sobrecarga de trabalho a que estamos submetidos e a cobrança decorrente desta sobrecarga.” Mas o diagnóstico também identificou falas positivas de pessoas que vivenciam o bem-estar no trabalho na JF1R: “Eu gosto muito do meu trabalho, me sinto feliz no meu local de trabalho. Afinal tenho o TRF como se fosse minha “casa”, já fico mais tempo aqui do que na minha casa.”; “Poder contribuir para as soluções das lides que, em última análise, pacificam o meio  social. Entendo que meu trabalho na justiça federal contribui para a manutenção do bom conceito que a instituição goza na sociedade, afetando-me positivamente, pois também usufruo desse conceito.”. 

 

O diagnóstico foi direcionado para o público-alvo de magistrados, servidores, prestadores de serviço e estagiários. Do total de 13.129 indivíduos, cerca de 40% responderam às perguntas, ou seja, 5.164 pessoas em toda a Primeira Região. Como o senhor avalia  esses números? É um percentual significativo?

A participação foi bastante importante, significativa. Ela permitiu mapear o “olhar dos participantes” sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) na JF1R. Houve uma participação expressiva de todas as subseções judiciárias, graças a um trabalho muito bem feito de sensibilização, liderado pela equipe da Nádia Barbosa da Cruz Santana, diretora da Divisão de Desenvolvimento e Avaliação de Recursos Humanos. Os participantes acreditaram na pesquisa e depositaram um voto de confiança nos dirigentes, gestores e técnicos que cuidam da Qualidade de Vida no Trabalho no tribunal para que os resultados não fiquem no papel, e se materializem em projetos e ações que eliminem as fontes de mal-estar e promovam a tão desejada e esperada QVT.

 

Na sua avaliação, o que as instituições públicas de- ” implementada com sucesso e faça parte da rotina dos servidores públicos?

As tarefas são muitas, diversas e complexas. Eu destacaria três grandes desafios no contexto do serviço público brasileiro para a promoção da Qualidade de Vida no Trabalho. Primeiro, superar as práticas hegemônicas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) do tipo “ofurô corporativo” que se caracterizam por um cardápio de atividades do tipo antiestresse (ex.: mapa astral) que visam aumentar a resiliência dos trabalhadores para suportarem as condições adversas de trabalho. Segundo, conceber e implantar política e programas de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) ancorados no olhar dos trabalhadores e, sobretudo, na participação efetiva destes na promoção de QVT. Os servidores cada vez mais tomam consciência de que bem-estar no trabalho não se delega e que cabe a eles o protagonismo para se alcan-çar uma QVT de caráter sustentável. Terceiro, certamente o mais estratégico, é tarefa para ontem refundar o modelo hegemônico de gestão organizacional e do trabalho que orienta o funcionamento do setor público para harmonizá-lo com a missão das instituições públicas republicanas: a promoção da cidadania. O setor público não vende “sabonetes”, portanto, não tem sentido importar de modo aveugle modelos de gestão que são típicos e aderentes ao setor privado e que serve de suporte para produção de lucro, rentabilidade, competitividade.

 

 

 

A iniciativa do TRF/ 1.ª Região sinaliza para um despertar de consciência da instituição para as questões de qualidade de vida no trabalho? Por que se investir em qualidade de vida no trabalho?

Os dirigentes, gestores e técnicos da área de QVT estão de parabéns pela iniciativa do projeto. É mais do que um despertar de consciência da instituição; na verdade é um enfrentamento planejado, rigoroso e impostergável para alavancar a Qualidade de Vida no Trabalho na JF1R. Isto é muito  importante para aumentar o orgulho dos servidores em trabalhar na instituição e servir ao Brasil, um país ainda com tantas desigualdades. Essa iniciativa coloca a JF1R numa posição de vanguarda em Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) no judiciário brasileiro, pois, infelizmente, ainda é hegemônica a prática de QVT do tipo “ofurô corporativo” na maioria das organizações públicas.

 

Estamos na fase de divulgação dos resultados do diagnóstico. Além disso, foi realizada oficina, sob coordenação do senhor, para elaboração de uma política de qualidade de vida no trabalho. Qual será o próximo passo a ser dado pela Justiça Federal da Primeira Região para efetivar uma qualidade de vida no trabalho centrada no olhar do corpo funcional?

Nesta oficina formulamos não só a política de QVT em termos de fundamentos normativos, conceito e valores, mas também o programa de QVT que trata das diretrizes e projetos que devem ser implementados em curto, médio e longo prazo para atacar os problemas constatados, mas, sobretudo, promover a Qualidade de Vida no Trabalho na JF1R. Esses dois documentos deverão, em seguida, ser submetidos à consulta pública interna dos participantes do diagnóstico (magistrados, servidores, prestadores de serviço e estagiá-rios) visando validar e legitimar o seu conteúdo como instrumento de referência para a promoção de QVT na JF1R para os próximos dois anos. Espero poder acompanhar esse trabalho e poder divulgar no meio acadêmico os resultados positivos que serão obtidos. Para o nosso Grupo de Estudos em Ergonomia Aplicada ao Setor Público (ErgoPublic) foi uma grande satisfação colocar a nossa expertise a serviço do engrandecimento do TRF da Primeira Região.

 

 

 

 

 

 

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